18 de julho de 2010

Caso B.

"O Homem é o único animal que se diferencia dos demais por agredir as suas fêmeas."
Jack London


A polícia parece não ter mais dúvidas sobre a morte de Eliza Samudio e os culpados. O indignado delegado Edson Moreira da Silva, de BH, deu detalhes sobre o crime, com direito a olhos marejados. O delegado Moreira que é autor de frases e acusações polêmicas, na investigação do caso Eliza, reclama na Justiça de ser vítima do que classifica como "denuncismo irresponsável". Segundo matéria na FSP, em 14-07-2010, o delegado Moreira é investigado em três inquéritos, em Minas, sob acusação de corrupção, desvio de verbas de diárias e até facilitação de fuga de presos.

A imprensa também já deu o veredicto sobre a morte de Eliza Samudio. A função primária do jornalista é dar aos leitores e espectadores a melhor versão da verdade. Mas como fazer isso em uma época onde prolifera o sensacionalismo, a fofoca e um culto à celebridade e a imediatez? É preciso ter cautela e tempo para se aproximar da realidade dos fatos. É preciso fazer um trabalho investigativo e checar as informações. No Mais Você, do dia 15-07-2010, a mãe do menor envolvido no caso do goleiro Bruno, disse, a Ana Maria Braga, que o filho era usuário de drogas. Ou seja, provavelmente, deve estar com síndrome de abstinência. Isso pode justificar as cinco versões contraditórias do menor que se for preso pega apenas 3 anos de prisão e alivia a situação para os outros envolvidos. O que não se justifica é a crueldade e os detalhes sobre a morte de Eliza.

O espectador curioso sobre notícias de crimes, como o caso do goleiro Bruno, torna-se um "detetive" que tenta decifrar as pistas fornecidas pela mídia e faz julgamentos no meio de um bombardeamento de informações. Hélio Schwartsman, na FSP, em 15-07-2010, comenta que o interesse geral por notícias sobre crimes é o fato do ser humano estar em busca de experiências - de preferência experiências extremas. Como estas situações limites são perigosas temos a opção da simulação para experenciarmos em segurança. Podemos exercitar sentimentos e situações sociais lendo um livro, assistindo a um filme ou lendo um jornal sensacionalista. Uma diferença entre a ficção e as notícias é que os fatos despertam uma empatia maior. No caso do goleiro Bruno, além de ser um fato cruel, trata-se de uma celebridade do futebol. A curiosidade sobre celebridades é uma outra obsessão humana.

Ao escrever sobre o caso Bruno e Eliza, recordo sobre a Maria Islaine (morta em janeiro deste ano, diante de uma câmara de segurança, em Minas), Eloá, a advogada Mércia e outras tantas Marias da Penha. Além das notícias sobre a violência contra mulheres serem um espetáculo na mídia, o que se tem feito de concreto? Segundo o promotor Cembranelli, em entrevista a Ana Maria Braga, em 5-7-2010, a violência contra mulheres e crianças sempre fez parte do universo do tribunal do júri. “Alguns casos têm repercussão maior quando caem na imprensa, mas é algo que sempre aconteceu. Existe um aumento da violência e do número de mortes. O consumo de drogas e o acesso fácil a armas de fogo estão relacionados ao aumento dos homicídios”.

As histórias, sobre a violência contra mulheres, contadas na mídia emendadas uma as outras parecem histórias da Mil e uma noites: intrigam, entretém, e servem como anestésicos. Muitos casos são esquecidos e substituídos por outros mais novos. Há um mês atrás, a imprensa estava focada no desaparecimento da advogada Mércia. Nem ela e nem o suspeito são celebridades como é o caso do jogador do Flamengo, Bruno.
Em agosto de 2 000, o jornalista Pimenta Neves, então diretor do jornal O Estado de S. Paulo, matou com dois tiros a ex-namorada e também jornalista Sandra Gomide, de 31 anos. O crime completou dez anos e Pimenta Neves - réu confesso, julgado e condenado em primeira e segunda instâncias - continua livre.

Ironicamente, mas não desmerecendo a reflexão que é pertinente, o jornal O Estado de S. Paulo, publicou o artigo "Patriarcado da Violência". Neste artigo, em 10--7-2010, a antropóloga Débora Diniz, toca em uma questão praticamente não abordada pela imprensa: por que as mulheres continuam sendo vítimas da violência. O motivo não está apenas nos indivíduos e em suas histórias, mas em uma matriz cultural que tolera a desigualdade entre homens e mulheres, e reduz os corpos das mulheres a objetos de prazer e consumo dos homens. A impunidade facilita o surgimento das redes de proteção aos agressores. Elas temem seus companheiros, mas não conseguem escapar desse enredo perverso de sedução. A pergunta óbvia é: por que elas se mantêm nos relacionamentos se temem a violência? O difícil para todas elas é discernir que a violência não é parte necessária da complexidade humana.

Eliza parece se encaixar no perfil de uma boderline. Pessoas com este transtorno são briguentas e se esforçam excessivamente para não serem abandonadas; tiveram uma infância traumática. "Eu te odeio...por favor, não me abandones."

Interessante também observar a lógica moralista e hipócrita pronunciados por homens e inclusive mulheres de que a mulher era merecedora da violência. Eliza era uma “maria chuteira”, “era apenas o sexo pago”. Justificativas como estas reforçam e desnudam o patriarcado da violência; inclusive a decisão da juíza Ana Paula Delduque que negou o pedido de proteção a Eliza, em outubro de 2009. A juíza explicou em sua decisão que Eliza não poderia se beneficiar das medidas protetivas, nem “tentar punir o agressor”, sob pena de banalizar a Lei Maria da Penha. A magistrada entendeu que a finalidade da legislação é proteger a família, seja proveniente de união estável ou de casamento e não de uma relação de caráter eventual e sexual.

Bruno Fernandes foi o terceiro jogador do rubro-negro a protagonizar um caso de polícia nos últimos meses.Todos, segundo a revista Veja, “tratados com a complacência habitualmente reservada aos jogadores famosos pegos em flagrante desvio de conduta”. Depois de citar os casos envolvendo jogadores, a revista conclui: “Diante de tanta naturalidade perante comportamentos que beiram o banditismo, parece natural que alguns craques ajam como vêm agindo - como se estivessem acima da lei.”

No caso de Bruno e Eliza, o crime parece estar envolvido com o reconhecimento da paternidade. Óbvio, é a relação de poder do assassino com a vítima. A violência contra a mulher não apenas persiste, como também se propaga. Os dados sobre a violência contra as mulheres são alarmantes: a cada 15 segundos, uma mulher é espancada no Brasil, segundo o "Portal da violência contra a mulher". Destes casos de agressão, 70% deles ocorrem dentro de casa.

Caro Leitor, faço a Você uma pergunta: Por que o envolvimento de oito suspeitos na morte, com requintes de crueldade e frieza, de Eliza Samudio que não era rica e nem tinha prestígio? Os oito suspeitos são: o goleiro Bruno; o menor J.; o funcionário e amigo macarrão; Bola, o ex policial; o caseiro do sítio, Elenilson da Silva; a ex mulher, Dayanne Rodrigues; a suposta amante Fernanda Gomes Castro; a suposta noiva, Ingrid Oliveira.

*****

Alguns CRIMES PASSIONAIS que ficaram famosos e estão retratados no livro Paixão no Banco dos Réus, de Luiza Nagib.

Em 1970,o procurador de Justiça Augusto Carlos achou que o professor francês Ives Gentilhomme, que dava aulas para sua esposa, Margot Proença, era seu amante. Margot recebeu 11 facadas do marido e morreu aos 37 anos. Margot era mãe de duas crianças, uma delas Maitê Proença. O procurador não chegou a ser preso e foi absolvido em dois julgamentos. Maitê Proença foi testemunha de defesa e contou que “viu o professor (francês) dormindo no sofá-cama utilizado pela mãe, na manhã seguinte à realização de uma festa em sua casa”. Augusto Carlos casou-se novamente, mas, em 1989, suicidou-se.

Em 1976, Doca Street matou a Pantera de Minas, Ângela Diniz, com 3 tiros no rosto e um na nuca. Ângela teve uma vida marcada por incidentes.(Em 1973, por exemplo, foi acusada de ter assassinado o vigia de sua residência, em Minas Gerais. Mas seu companheiro na época assumiu a culpa, alegando legítima defesa.). Doca alegou “legítima defesa da honra”, por sentir-se traído pela companheira. “Matei por amor.” Em decisão histórica, transmitida pela tevê, Doca foi para a cadeia, no segundo julgamento. Desde então, os crimes passionais passaram a ser julgados com um olhar menos machista.

Em 1981, em um bar, em São Paulo, Lindomar alvejou a ex-mulher Eliana no peito. Eliana e Lindomar se casaram dois anos antes do crime. O cantor era agressivo, ciumento, bebia sem moderação. Quando Eliana foi morta, fazia 20 dias que o desquite havia sido formalizado. Lindomar descobriu que a ex-mulher tinha um caso com seu primo Carlos.

Em 1998, Patrícia Aggio Longo foi assassinada pelo marido, o promotor Igor, quando estava grávida de sete meses. A família da vítima o defende. Igor foi condenado a 16 anos e 4 meses de prisão pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Ficou foragido oito anos antes de ser preso.

Um comentário:

  1. O caso Bruno mais uma vez, vem mostrar o novo papel da mídia. Acusa, Julga e Condena.

    Não sabemos se a menina foi atirada a cães, enterrada ou se está vivinha da silva.
    Sei mesmo é que o Delegado comporta-se como um Rotweiller, vai em cima de todos, está prendendo a torto e a direito, se continuar nesse ritmo, teremos mais uns 20 acusados da morte de Eliza. Aparenta ser uma pessoa que não sabe o que faz.

    A imprensa que já condenou o goleiro, não importa o veredicto da Justiça. Mais uma vez os meios de comunicação se comportam como urubus.
    "Nunca na história desse país" se deu tanto crédito a um menor dito como mentiroso pelos pais e viciados em drogas. Contando versões e levantando hipóteses pra ver quem tem mais audiência nesse horror show que só perde pro caso Isabela Nardoni.

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