23 de junho de 2011

Um copo de mar para navegar...

"Há sempre um copo de mar para um homem navegar" [...] "mesmo sem naus e sem rumos, mesmo sem vagas e areias".

Uma amiga perguntou-me porque eu já reli inúmeras vezes "Memórias Póstumas de Brás Cubas". Respondi que é pelo fato do romance despertar risos que me levam a reflexão e porque sempre acho prazeroso imaginar as situações, os personagens. Divirto-me também com o narrador intrometido.

Não sei porque relembrei do meu percurso enquanto leitora. Lembro-me que eu era fascinada com os livros da biblioteca do meu pai. Eu deixava de lado os livros infantis para folhear os livros dele: literatura, livros de medicina, cadernos de anotações da adolescência, uns livrinhos de laboratório... Eu ficava folheando e criando histórias do que eu não entendia.

Por que ler literatura hoje?

A literatura vai na contramão de um jornal, por exemplo. O jornal apresenta o fato, sem as possibilidades, sem a sua potência. Podemos até nos indignar, mas permanecemos impotentes. Ler é lutar contra a falta de memória e consequentemente o ressentimento. Ler é resistir! E o que é resistir? "É ter a força de des-criar o que existe, des-criar o real, ser mais forte do que o fato que está aí."

PS - Para todos os Dons Quixotes que resistem, sonham ... que estão On The Road!

29 de maio de 2011

"Filme Socialismo"

Assistir ao "Filme Socialismo", de Godard, é fazer pausas para pensar, decifrar as citações, identificar as fontes de inspiração e é também não entender o significado do asno ou da lhama que aparecem nas imagens. É uma "tentativa de recolocar a realidade na realidade". O filme faz sentido para quem busca sentido. “É preciso ver o filme três vezes: uma pela imagem, uma pelo som e outra para compreender", afirma o diretor Jérôme Plon.

O desejo de Godard de inovar, reinventar formas, reconstruir-se na sua trajetória cinematográfica, ultrapassando a si mesmo, atormenta a maioria dos espectadores. O “Filme Socialismo” não é um produto imediatamente consumível. É preciso uma disposição do espectador para refletir, mastigar, digerir, experimentar. A montagem é conflitiva, o áudio é dissonante, a dramaturgia é anti-diegética e a encenação é des-dramatizante. Há uma enxurrada de citações de diversos pensadores, na boca dos personagens e do narrador em off.

As imagens godardianas não são gratuitas, e nos lembram, por exemplo, do desejo de ser visto, mas da perda das competências necessárias para ver algo além de imagens vazias. "Nem tudo que é visível é legível." As contradições presentes no filme evitam o literalismo interpretativo. Na babel contemporânea, se por um lado, nunca se falou tanto e se mostraram tantas imagens, por outro lado, nunca as pessoas se entenderam ou perceberam tão pouco.

Vemos e ouvimos tudo. Estamos conectados 24 hs. Temos o domínio dos sentidos da distância, mas abrimos mãos dos sentidos da proximidade. O "filme socialismo" é um protesto e também um convite à experiência sensorial.

Aos 80 anos, Godard continua a surpreender!

23 de maio de 2011

Tempos modernos...

Estamos reunidos em torno de um território virtual em que impera a rapidez, a superficialidade, o excesso de informação, a visibilidade. Utilizamos apenas os sentidos da visão e audição, em detrimento dos demais, para perceber a realidade. E a partir destas percepções, elaboramos nossas noções sobre ela. Perdemos o sentido de proximidade; passamos pelas pessoas, pelos fatos, por nós mesmos sem sermos capazes de nos vincularmos. Vemos milhões de imagens, ouvimos nossas músicas preferidas, assistimos à jornais, filmes, programas, pela TV ou internet. Estamos conectados 24 hs, com todo mundo, em todos os lugares, mas privados do presente. Tudo é para ontem. O futuro assombra o presente.

Lembro-me de uma amiga que não via há alguns anos. Liguei para ela que conversou comigo enquanto acessava a internet simultaneamente. Depois ainda conversando, ela esquentou a sua comida, no microondas, e contou que estava de regime e fazendo ginástica, na hora do almoço. O interfone tocou. Ela atendeu mas, por uns segundos, eu achava que ela ainda conversava comigo. "Querida, adorei conversar com você mas uma amiga acaba de chegar. Preciso desligar."

Almejamos a agilidade, um padrão de beleza imposto pela mídia, a eterna juventude, a perfeição. Perfeição das máquinas? Banimos a morte. Mas, ao fazermos isto, abrimos mão da vida, pois ambas são indissociáveis.

Estamos anestesiados e aterrorizados com a violência. Nos sentimos sobrecarregados. Temos a sensação de que resta pouco tempo para o entretenimento. Trabalhamos para consumir produtos e inclusive a nossa frustração. Curtimos nossos amigos teclando, no link "curtir", no facebook. Sofremos de escassez e excessos. E a nossa solidão intensifica-se.

A agilidade e eficiência exigidas atualmente vão na contramão da contemplação de nós mesmos e das nossas relações. Experienciar o presente é como um ritual de gastronomia: requer tempo, paciência, o entregar-se... o uso do olfato, do paladar. Leitor, quando você for provar um vinho, tome primeiro um pequeno gole. O segundo gole vem após uma pequena pausa. Para preparar melhor o paladar, se quiser, pode mastigar um pedacinho de pão...



Depois de se produzir bens em série, criou-se consumidores em série.

18 de maio de 2011

A educação no Brasil.

No Brasil, uma minoria que tem condição econômica procura oferecer aos filhos a melhor educação possível e rejeita a ideia do diploma conquistado pelo caminho fácil. Pertinente a matéria "O Ministério da Desigualdade", de Rolf Kuntz, do Jornal Estadão: "Preconceituoso e elitista é quem condena o pobre a uma instrução de baixa qualidade e ainda o aconselha a se contentar com isso."

Concordo com Evanildo Bechara que "Há uma confusão entre o que se espera de um cientista e de um professor. " O aluno desconhece a norma culta assim como a literatura; e não tem ainda conhecimento para aprofundar certos debates. A escola deve fornecer este conhecimento, para depois o aluno formar a sua opinião. Leitor, você já se perguntou, porque muitas escolas ainda persistem em impor clássicos da literatura, num primeiro momento, quando o aluno ainda não se tornou um leitor.

Marcos Bagno afirma que "A atitude normal da escola sempre foi zombar da fala dos alunos.", que não está de acordo com a norma culta, segundo a F.S.P., em 18-05-2011. Pergunto: por que não se zomba de um cidadão que está no poder, tem prestígio, e não domina a norma culta? E inclusive se dá ao luxo de inventar palavras.

Ao lembrar que os manuais dos jornais orientam o jornalista para não usar a mesóclise, Marcos Bagno está falando sobre a evolução da língua, mas se esquece de que a dinâmica da língua não impede o ensino da norma culta. Na TV e no rádio, por exemplo, a comunicação de notícias fica restrita a grupos relativamente reduzidos devido ao fato de que é necessário um domínio da norma culta e aparato de conhecimentos.

Acredito que combater apenas o preconceito linguístico não resolve. É preciso educar! É necessário investir na educação! Quantos livros os alunos estão lendo por ano? O Brasil, segundo a "Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil", em 14-08-2008, ainda detém uma média baixa de índice de leitura: 4,7 livros lidos, por habitante, durante um ano. Dessa média, 1,3 foram lidos fora da escola.

Enquanto escrevia esta postagem, minha prima xará, Claudinha Chalita, postou este vídeo. O relato da professora Amanda Gurgel sinaliza, mais uma vez, que a educação infelizmente não é prioridade, no Brasil.



15 de maio de 2011

"Por uma Vida Melhor"?

Segundo a matéria do "Jornal Folha de São Paulo", publicada no dia 14-05-2011, um capítulo do livro "Por uma Vida Melhor", da ONG Ação Educativa, diz que, na variedade linguística popular, pode-se dizer "Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado".


Mais adiante, em sua página 15, o texto afirma, ainda segundo o J.F.P, conforme revelou o site IG: "Você pode estar se perguntando: 'Mas eu posso falar os livro?'. Claro que pode. Mas fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico".

Acho lamentável o preconceito linguístico e a variação linguística estarem sendo usados para a perpetuação de erros gramaticais. "Nós vai?" "Os livro?"

O papel da escola é ensinar a língua padrão! Qualquer outra hipótese é um equívoco político e pedagógico. Gostem ou não: a norma culta é a variação dos grupos mais favorecidos, e é a que permite, por exemplo, uma mobilidade social. O domínio da norma culta faz diferença e é uma possibilidade de sucesso. A própria produção jornalística utiliza a norma culta, para veicular informação.

Existe a falácia de que os menos favorecidos, ao aprenderem o domínio de uma outra forma de falar e escrever, teriam destruídos ou diminuídos os seus valores populares. Há a propagação equivocada de que o ensino da norma culta, para estudantes menos favorecidos, é uma forma de perpetuar um pensamento único elitista. Há também uma política de DESeducação assim como de DESinformação.

É evidente que existem relações entre as formas de linguagem nos livros didáticos, as instituições em que eles são usados, e as práticas pedagógicas que eles sustentam. As relações entre língua escrita, conhecimento e poder são amplas.

O fato da língua falada não ser espelho da língua escrita, e da língua brasileira apresentar variações linguísticas, de acordo com a classe social, a região, a escolaridade etc, não são justificativas para não se ensinar a norma culta.

"Por uma vida melhor" para os próximos eleitores ou políticos?

13 de maio de 2011

Persépolis


Aos nove anos Marjane queria ser profeta, mas foi obrigada a usar véus. Na adolescência, gostava de dançar ao som do Iron Maiden, de usar tênis de marca mas acabou exilada, na Áustria. A animação "Persépolis" é baseada em uma história em quadrinhos homônima, da iraniana Marjane Satrapi, em preto e branco.

Cada um de nós se identifica com a pequena Marjane por um ou vários motivos: a ironia, a subversão, a poesia, a indignação ... Nos deparamos com a história do Irã e a sua revolução fracassada, pelos olhos de um iraniana, muitas vezes, indignada e perdida como qualquer um de nós, independente da cultura. Mais do que uma história que aborda as mudanças sociais naquele país, é uma história sobre a busca da identidade própria.

Marjane Satrapi codirigiu a animação, ao lado do diretor Vincent Paronnaud. Criado com os traços da própria HQ, a animação possui uma sensibilidade que pode ser percebida, por exemplo, nos diálogos.


Persepolis Teaser por wallyz75

Infelizmente, não achei nenhum trailler legendado em português que valesse a pena ser postado.

4 de maio de 2011

Dos que ousam, ou não, escrever justificativas como estas...

O atento Leitor já está enfurecido, pela ausência de mais um mês, de postagens. "Autora, já estamos, em maio, e você não postou mais nada!"

Querido Leitor, em vez de você protagonizar uma cena de "Enquanto agonizo", vamos juntar agora os nossos pés, e dar um salto por cima daqueles três meses... acrescidos de mais um mês de ausência. Viajei... Mas como ainda espero ter alguns leitores fiéis, o primeiro passo é fugir à justificativas longas, e me ater à divagações obscuras. Consequentemente, evito relatar a extraordinária e longa viagem feita nestes meses...

E eis a ponta da orelha trágica de Shakespeare: retornei à Sucupira. No momento, vou me limitar a dizer que Sucupira é um lugar - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -.- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - E ponto final!

"Autora!!! Sucupira, não é a cidade da novela O Bem Amado?"
"Sim! Vejo que o meu leitor gosta de novelas!"

Alguma vez, você leitor, já teve uma ideia fixa que o atormenta? A minha indignação com a mentira que é Sucupira, depois de vários saltos, tornou-se uma ideia fixa como uma bala chita. São Charbel o livre, leitor, de uma ideia fixa, assim como de uma colônia provinciana.

Estou vendo que o Leitor já está aí a torcer o nariz só porque ainda não cheguei a justificativa. Mas resolvi agora mudar o título desta postagem para "Um novo recomeço!" Até a próxima postagem!

PS - Confesso que, entre os vários livros, na bagagem, para serem relidos, mais uma vez, optei por Machado de Assis.