24 de julho de 2010

Ideia Fixa

Leitor, você já teve uma ideia fixa? São Charbel, o livre de ideias fixas pois elas são como chicletes: não desgrudam do pensamento. O Dunga teve a ideia fixa de impor treinamentos quases militares aos jogadores. A imprensa teve a ideia fixa de demonizar o Dunga. A maioria dos brasileiros teve a ideia fixa do Brasil ser Hexa na Copa do Mundo, de 2010. Todos com um chicotinho mental! szchhullzzszszsshilllzz

“Bah, você vai escrever sobre a Era Dunga!? Quem gosta de passado é museu! Fala sobre o Mano Menezes." Impaciente Leitor, já se transcorreu o devido tempo para um distanciamento do “calor das emoções”, da histeria da imprensa e da ira dos 190 milhões de juízes brasileiros. Assim posso perceber que não foram os treinos fechados, a falta de entrevistas exclusivas e nem a falta de treinos-show que derrubaram a seleção. O que fez falta foram as opções de jogo, que só poderiam vir com jogadores que tivessem outro perfil em campo. Uma pena os jogadores e o técnico terem sido recebidos como vilões no Brasil.

Leitor, não fique desapontado. Seja pelo menos um pouco curioso. UM MOMENTO! Concentre-se. Descruze o braço. Deixe a energia fluir.

A forma como a imprensa tratou o Dunga e a reação dos brasileiros mostraram que somos no futebol o que evitamos assumir na vida política: reacionários e covardes.

Dunga involuntariamente personificou a Geni da Copa – guardadas as devidas proporções na comparação. A mídia, de maneira histérica e raivosa, condenou o técnico. A repentina frustração do brasileiro foi canalizada para o gaúcho. Engraçado, não é? Até os romanos (brasileiros) faziam isso: sentados no coliseu (TV), assistiam as feras (jornalistas) estraçalharem inúmeras pessoas (o solitário Dunga) e se divertiam - Um Dunga, onze Sonecas, 190 milhões de Zangados e os efeitos do feitiço diabólico da Rainha.

A ironia é que o zangado Dunga enfrentou a Globo para que os treinos fossem constituídos por mais disciplina e menos espetáculo. O tiro saiu pela culatra. O Casmurro - teimoso, obstinado, cabeçudo - Dunga protagonizou solitário um espetáculo montado pela mídia. Enfrentar a Globo significou, para o gaúcho, o preço de que a opção era ganhar ou ganhar. Para isso teve o apoio popular – 69% de aprovação. Vale a pena lembrar a campanha feita, na internet, de apoio ao técnico: não assistir aos jogos pela Globo.

A seleção brasileira foi desclassificada. Dunga perdeu a seleção, o apoio popular, o apoio do Ricardo Teixeira. Será que a maioria dos brasileiros conhece o Ricardo Teixeira? Por que o Ricardo Teixeira, que contratou o Dunga e o apoiou nestes quase 4 anos, deu uma entrevista em um canal fechado após a eliminação do Brasil na copa, e justamente na emissora que demonizou Dunga?

O casmurro Dunga teve a coragem de fazer enfrentamentos que achou necessários. Optou em não escolher jogadores pop star: Adriano, O Imperador, que esteve envolvido algumas vezes em escândalos; Neymar que está sempre nos programas de TV; (quando sobra tempo para o Neymar treinar?); Ronaldo, o Fenômemo, que está fora de forma; Ganso; Ronaldo Gaúcho.

Dunga poderia ter sido mais cordial com os jornalistas? Sim, com certeza! Mas como ele mesmo disse numa coletiva: “Tenho memória de elefante.” Percebe-se que Dunga frequentemente não gosta das perguntas da imprensa. Suas entrevistas normalmente são um tanto quanto padronizadas. Talvez esta birra com a imprensa tenha se iniciado na copa de 1994, quando Dunga foi Capitão. É importante lembrar que o Casmurro é um homem honesto. "Tenho caráter. O dia em que precisarem me chamar, vão me chamar, porque conhecem minha índole." (Jornal Estadão, 8-07-2010)

No meio desta histeria coletiva liderada pela mídia, pergunto por que sempre temos que ganhar a copa? Por que é tão importante ser o melhor no futebol? Por que ninguém se lembra de que foi o Ricardo Teixeira que escolheu e apoiou o Dunga? O Brasil é campeão 5 vezes. Ser hexa significa o que? Elevar a auto estima do brasileiro?! Dar audiência a Globo pelos espetáculos transmitidos?!

O Brasileiro, de modo geral, como disse o Arnaldo Jabor, em uma crônica, calça a chuteira patriótica numa tentativa de autoafirmação para esquecer a nossa miséria, a corrupção que infelizmente está aliada a política. Por que, nós brasileiros, não podemos ser também patriotas na política?! Vamos torcer para que em 2014 o Mick Jagger, que tem um filho brasileiro, não venha ao Brasil!

O brasileiro e o governo já estão vivendo em função de 2014. Não é a toa que somos o país do futuro e não do presente. Para o salvador da pátria, ops, o treinador de 2014, caberá a missão de elevar a “autoestima do brasileiro”! Ops! Caberá a missão de dar o título de Hexa ao Brasil! Mandela parabenizou os jogadores africanos pelo jogo e disse que, embora não tenham ganhado a Copa, devem manter a cabeça erguida pelo empenho. Aqui, no Brasil, a chegada dos jogadores brasileiros foi marcada por tumulto. Na Argentina, apesar da derrota, os jogadores e o Maradona foram recebidos por uma multidão.

O técnico foi trocado. Os jogadores vão ser outros. Os jornalistas que cobrem a Copa vão ser os mesmos? Atento Leitor, fico me perguntando: Existe autocrítica na imprensa brasileira? Será que é preciso repensar o exercício do jornalismo? Estamos fazendo um jornalismo respeitoso?

Assim como o Dunga é intransigente, zangado, rancoroso, a Globo também é. Esta emissora é fruto do regime militar e herdou também a intransigência deste período. Como explicar a matéria feita, pela Sport TV, sobre o Paraguai que foi retratado de forma preconceituosa e depreciativa? A abordagem foi educada e respeitosa à cultura do Paraguai? A Globo também é rancorosa e é ela que elege quem são as vítimas e os vilões. Será que Tadeu Schmidt estava informando ou manipulando ao ler a carta?

Ah, o espetáculo do futebol brasileiro! O espetáculo é um estado irrevogável da cultura. Com a supremacia das imagens ao vivo, abriu-se uma nova era: A Sociedade do Espetáculo. O espetáculo é uma forma de organização da cultura e das comunicações; é uma urgência imposta. No espetáculo, tudo se destina ao prazer, até mesmo as notícias; a felicidade, o sucesso, a juventude, a beleza viram uma compulsão. Por isso, o espetáculo não pode parar. Cabe à imprensa encontrar meios para compreendê-lo, para informar ao público sobre os mecanismos pelos os quais ele reconfigura a realidade. Cabe ao leitor questionar a verdade veiculada pela mídia. Cabe ao brasileiro se questionar sobre o motivo da importância de ser o melhor no futebol sempre; perceber que a copa ocorre sempre em ano eleitoral e se defender dos efeitos do feitiço diabólico da Rainha.

Observação Indiscreta: Finalizo os rabiscos sobre a minha ideia fixa lembrando que peguei emprestado o apelido de Casmurro, do jornalista Alberto Dines que foi talvez o único que conseguiu fazer uma análise lúcida sobre a histeria da imprensa. Como agradecimento, ofereço-lhe as seguintes palavras do meu amigo Mario de Andrade: "Nós andamos suspirando pela glória. A glória é uma palavra curta em nosso espírito, e significa apenas aplauso e dinheiro. Nós nem queremos ser gloriosos, nós desejamos ser apenas célebres."

2 comentários:

  1. O brasileiro, desde o berço, acha vantagem ser o país do futebol.
    Esquecemos de toda nossa frustração de sermos um dos países mais desiguais, com os politicos mais caros do mundo, com índices altos de violência e corrupção. Tomamos um banho de todas as potências emergentes de padrões iguais (India, China, Russia, México).
    Estamos também muito atrás dos nossos vizinhos chilenos que estão à porta do "primeiro" mundo.
    É triste. E até 2014 a tendência é piorar! Vamos respirar Copa do Mundo até lá, enquanto isso os gastos vão aumentando, as contas não fecharão, empreiteiros e politicos ficando cada vez mais ricos com seus caixas 2 e no final o povo vai pagar a conta (mais uma vez).

    Troco 5 títulos mundiais por saúde, educação e segurança.

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  2. O Dunga eh passado. Um pouco de diversão não faz mal a ninguém.

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